sábado, 2 de maio de 2015

A rádio que voltou

A rádio que voltou


(Uma música leve de fundo) um repórter está dormindo na cadeira, e um locutor de repente se dá conta que a rádio voltou (aumentar o volume da música).

Locutor: - Atenção, atenção, voltamos ao ar depois de um pequeno corte de energia em nossas transmissões, voltamos com a programação normal (música de fundo, e ele vai acordar o repórter).
Locutor: - Estamos no ar, você tem que ir se preparar para o repórter Esso.
Repórter: - Estamos no ar? Será que tem algum ouvinte nos escutando? Depois de ficarmos 50 anos fora do ar?
Locutor: - Tem sim, o que são 50 anos? Os cientistas descobriram que o mundo já existe a 260 milhões de anos. O que são 50 anos? É um piscar de olhos.
Repórter: - Ta bom, vou me preparar para dar as notícias. (ele sai). Enquanto isso:
Locutor: - Atenção!!! Comprem no comércio dessa cidade, aliás, essa cidade evoluiu muito nesses 50 anos, e por isso não faltarão patrocinadores para continuarmos no ar. (repórter entra com uma folha de notícias e senta diante do microfone).
Repórter: - E atenção! Está no ar o repórter Esso!!! Comprem combustível esso que todos vão lucrar, e vamos as notícias:
 Moscou! Os russos acabam de lançar o primeiro satélite chamado de Schputnick, portanto quem quer ver o Schputnick deve sair na rua e ficar olhando para o céu, que poderá vê-lo a qualquer momento. (O locutor tenta interromper).
 Brasília! O presidente Juscelino Kubitscheck acaba de assinar um decreto lei... (o locutor interrompe).
Locutor: - Eu não quero notícias de 50 anos atrás, eu quero notícias de ontem e de hoje, estas notícias aqui já eram.
Repórter: - Mas eu já estava com as notícias prontas para entrar no ar, quando a rádio saiu do ar. (Desfaz-se nesse momento o repórter Esso. (ele sai de cena)).
Locutor: - Compre no comércio de coisas usadas, depois de comprar com certeza voltarás é claro para devolver o que estiver estragado. E nesse momento está no ar o programa de aviso e utilidades públicas. Eu chamo nosso repórter para dar os avisos.
Repórter: - Atenção Wunderwald! Familiares de Rudolf Friher, o mesmo avisa que sua esposa foi operada e as tripas vão pelo ônibus. (locutor interrompe).
Locutor: - Que aviso é esse que ela foi operada e que as tripas vão pelo ônibus?
Repórter: - É estranho mesmo, eu vou pedir para ele, ele deve estar aí fora ainda. (levanta e vai um pedaço, mas volta em seguida). Já me lembrei, isto é o seguinte: eles mataram um boi e um porco e querem fazer lingüiça, aí ele veio pra cidade comprar as tripas, e ela aproveitou vim junto para se consultar, e o médico falou que tem que operar urgente, e aí ele tem que ficar com ela, e por isso está mandando as tripas com o ônibus. As tripas para fazer lingüiça é claro.
Locutor: - Isto é um aviso de 50 anos atrás não é?
Repórter: - É mesmo, ela deve até ter ganhado alta.
Locutor: - Eu já disse pra você que não deve vir com avisos de 50 anos atrás.
Repórter: - Mas deixa-me ver mais esta! Temos oportunidade de emprego: Precisa-se de dois cavalos.
Locutor: - Mas isso não é emprego!!!
Repórter: - É sim ó! O comércio de alimentos Weege precisa de dois cavalos, é claro que com uma carroça atrás e com uma pessoa sentada dentro, para puxar leite para a Lacticínios.
Locutor: - Pra começar, hoje não se puxa mais leite com carroça, e outra, o Weegue não existe mais, já faliu.
Repórter: - Nossa! Que notícia quente para colocar no meu próximo noticiário!
Locutor: - Vai, vai e me volta já com as notícias do esporte.
Repórter: - Eu já tenho pronto lá, é só ir pegar a folha. (sai e volta em seguida).
Locutor: - Então vamos agora com os resultados dos jogos de ontem à noite:
Repórter: - Resultados? Como vou saber se a rádio não estava no ar? Eu tenho aqui o seguinte: Flamengo botou fogo na madeira do Vasco. Isso vai dar pano pra manga! Fluminense pega o Cabo Frio. Como ele vai se sentir quando pegar o Cabo Frio!
Locutor: - Me dá isso aqui. (pega a folha da mão do repórter). Como você tem uma folha em branco aqui?
Repórter: - Mas é claro tem que estar em branco, eu já li tudo pra baixo.
Locutor: - Se tu não tem os resultados de ontem, então pode ir, porque coisas de 50 anos atrás não precisa nem vim. (o repórter sai). E vamos agora para o horóscopo do dia.
Apresentadora: - Se você nasceu de ontem para hoje, vai ter que vender a camisa para comprar sabão pra lavar a mesma. Se você nasceu tempos atrás, você terá que ir ao enterro de um parente, mas tem que ir tão rápido que vai encontrá-lo ainda vivo. Se você nasceu naquele um dia que está pensando, você tem muita sorte porque serás atropelado por uma ambulância. Se você nasceu depois do mês de dezembro, você vai ter que dar uma volta ao redor da casa tão rápido que quando chegar no ponto de partida deverás enxergar as próprias costas. Se você nasceu no dia 30 de Fevereiro, terá que atravessar um rio a nado com um Sonrisal na mão, e chegar no outro lado com ele inteiro. Se você pensa em nascer num dia fora do calendário, vai acordar se lembrando que tem que ir pra casa ainda. E mais algumas receitas para o dia-a-dia. Se você está morando sozinho nunca tente fugir de casa. Se o teu patrão te encontrar dormindo no serviço, diga a ele que o serviço é tão fácil que você o faz de olhos fechados. Uma boa declaração de amor é aquela que o pára-quedas disse para o pára-quedista quando saltou do avião: Estou contigo e não abro. Se você é fumante lembre-se o que o fósforo disse: Por causa de você perdi a cabeça. Lembrando ainda que a picada termina quando o mosquito vai embora.
Locutor: - Agora eu chamo mais uma vez o repórter para falar do plantão policial.(repórter entra). E daí, como foi à noite?
Repórter: - Tudo tranqüilo, nenhuma ocorrência.
Locutor: - Como não? Aqui no jornal está que houve um tiroteio aqui em Pomerode essa noite.
Repórter: - Tiroteio? Aqui em Pomerode? Não vi nada.
Locutor: - Mas você saiu para registrar essa ocorrência, como não viu nada?
Repórter: - Já que insiste vou explicar como foi. É que quando cheguei lá no local, eu vi que o policial sacou da arma, eu não perdi tempo, me joguei debaixo do carro e só saí de lá quando tinha certeza que não tinha mais ninguém por lá.
Locutor: - Que repórter é esse que se esconde do compromisso?
Repórter: - (saindo do palco e falando pro público). – Não vou emprestar minha pele para sair crivado de balas.
Locutor: - Com essa vamos ouvir uma música. A música é de Tonico e Tinoco. (tocar um pedaço da música e enquanto isso o repórter entra e interrompe).
Repórter: - Quase deu um acidente aqui fora, veio um carro lá de cima e outro aqui de baixo. Se não fosse aquele monte de terra com grama, certamente teriam batido. A sorte é que um passou pelo lado de baixo e o outro do lado de cima do monte.
Locutor: - Para dizer isso não precisava interromper a música. Isto é normal que um carro passe de um lado e o outro do outro lado.
 Repórter: - A gente vê como mudaram as coisas, botaram um monte de terra no meio da rua para os carros poderem se desviar. Antigamente quando um saía de carro, o outro esperava ele voltar para não se cruzarem. Isto á 50 anos atrás. Assim como essa música. (continua a música e o repórter sai).
Locutor: - Atenção! Precisa-se de uma pessoa para trabalhar e que durma no emprego.
Repórter: - (entra) Essa é pra mim, eu já tenho experiência.
Locutor: - Experiência no que?
Repórter: - Ué! De dormir no emprego.
Locutor: - Você tem teu emprego como repórter aqui na rádio.
Repórter: - Aí é que está o problema, eu estava falando a pouco com o rapaz da CELESC e ele me disse que a qualquer momento poderemos sair do ar, e quem sabe quando voltamos.   
Locutor: - É! Então vamos logo, que os ouvintes ligaram e querem saber o que fizemos durante todo esse tempo que estivemos fora do ar. Estou te perguntando, o que você durante esses 50 anos?
Repórter: - De uma coisa me lembro, eu fui um dia para a capital e vou contar às maravilhas que eu vi no outro dia. Quando fui lá na cidade passear eu fiquei todo atrapalhado com as coisas que vi lá, pelas ruas corre um fio que mesmo sem pavio de repente ascendem os lampiões, diz a gente da cidade que é a eletricidade que faz a iluminação. Outra coisa que vi lá quando fui no cinema, lá num pano aparece um boneco que se mexe e eu até nem sei como explicar. Depois fui convidado para ir ver os soldados, eu fiquei todo apavorado quando vi eles atirando com canhão, mas não atiraram em mim não. Mais adiante quase fugi lá no parque uns cujo eu vi, com os sapatos esquisitos a rodar, e por baixo das botinas umas rodas pequeninas que parece que queriam voar. De uma coisa eu não gostei de lá quando fui telefonar, debaixo um saci-pererê, em cima um baita orelhão, e por dentro uma caixa com botão, quando eu comecei a mexer ele virou a me xingar, mas eu não deixei por menos eu disse vou te encher de porrada essa tua orelha vai ficar toda vermelha, mas ele não parou de xingar larguei tudo e deixei ele a xingar sozinho. Outro dia fui pescar naquelas ilhas de lá, foi um dia inesquecível o que me aconteceu foi incrível, quando cheguei no lado de lá, eu vi que os anzóis esqueci de levar.(momento de silêncio).
Locutor: - Continua, estou gostando de ouvir.
Repórter: - Com essa eu vim embora, você acha que com o mico que eu paguei eu ainda ia ficar lá?
Locutor: - E daí o que mais tu fizeste?
Repórter: - Nada! Quer dizer nada não. Eu fui ainda um dia caçar com o meu espera um pouco aquele de carregar pela boca, carreguei ela com chumbo até na boca, botei a espingarda nas costas e saí. No caminho fiquei pensei quem será que vai levar chumbo hoje? Quando entrei um pedaço no mato, olhei pra cima e vi um tucano na copa da árvore e pensei: Será você? Vai que eu vou pra diante e não acho mais nada? É você mesmo que eu vou chumbar, olhei pra cima e disse: Espera um pouco que eu vou te espatifar. E sabe, o espera um pouco é assim, quando solta o gatilho à agulha bate na espoleta e faz Petsch e depois estoura a espoleta e faz Pééé, depois sai o tiro Pouuu. Lá fui eu, puxei o gatilho e mirei, Petsch, Pééé, Pouuuuu. Esperei um pouco a fumaça sair, olhei pra cima e o tucano respondeu, éééééééé, eu disse: Espera um pouco que o chumbo não chegou lá ainda. Quando vi, o tucano veio descendo.
Locutor: - Ele morreu?
Repórter: - Que nada, ele veio voando atrás do chumbo achando que era semente de fruta. O que podia ser uma tragédia foi um ato de caridade, tratar um passarinho. (silêncio) Eu contei o que eu fiz, agora falta você contar o que fez nesse tempo.
Locutor: - Eu? Nada!
Repórter: - O que? Eu também já passei por isso. (nesse momento a rádio sai fora do ar, e os dois continuam falando e gesticulando achando que ainda estão no ar). (Entra a apresentadora e fala: - A rádio saiu do ar, vocês estão falando a toa). (fecha a cortina e o repórter fala: - Daqui a 50 anos nós voltamos). 

    


Autor: Lindolfo Albrecht

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