Barrabás
Autor
Desconhecido
Adapt.
Por Élvio Nei Figur
Primavera do leste,
2009
CENA I
CENÁRIO: O palco está
praticamente às escuras, ao fundo, três cruzes com pessoas crucificadas (Figuras em tamanho
real). Uma fraca luz lateral projeta as sombras de
quatro pessoas (MULHER,
DISCÍPULO, HOMEM 1 e HOMEM 2) em
direção às cruzes. Barrabás está no lado escuro do palco.
NARRADOR: Todos sabem como Ele
foi crucificado, juntamente com dois outros, e quais as pessoas que se achavam
em volta dele. Eram Maria, sua mãe, Maria Madalena e Verônica, Simão Cirineu,
que o tinha ajudado a carregar a cruz e José de Arimatéia, que o tinha de
amortalhar(pausa). Um pouco afastado dos outros, porém, mais
abaixo da encosta, um homem observava constantemente aquele que estava pregado
na cruz, lá no alto, acompanhando a sua agonia do começo ao fim. Chamava-se
Barrabás... (Jato
de luz sobre Barrabás, que se encontra mais retirado).
BARRABÁS: Sim, eu sou
Barrabás; Barrabás, o prescrito! Barrabás, o bandoleiro! Barrabás, o assassino!
...mas aquele lá, pregado no madeiro, quem é? O que fez ele para morrer
assim? Não posso compreender... não é da minha conta, mas como puderam condená-lo assim? Vê-se que não
é criminoso... (Ouve-se
sussurros fortes cadenciando ao fundo:)
HOMEM 1 e HOMEM 2: Barrabás...
Barrabás... Barrabás...
BARRABÁS: Por que escolheram a
mim? (Ouve-se a voz de
Cristo no madeiro, balbuciando:)
VOZ:“Deus
meu, Deus meu, por que me abandonaste”?
(O palco escurece totalmente. Permanece
apenas o Jato de Luz sobre Barrabás).
BARRABÁS: Sim, eu sou
Barrabás, o libertado! Não tive mãe, jamais ouvi falar em meu pai. Sou um
pária; a escória; um verme. Depois que o tal Jesus morreu no Gólgota, voltei
para Jerusalém. Afinal, eu conseguira livrar a minha pele. Voltei para os meus.
A partir de então, os que se chamavam de “cristãos” passaram a repudiar-me... e
os cristãos eram muitos. Encontrei-os nas ruas, nas praças, nos albergues... Eu
procurava saber mais sobre o homem do Gólgota, aquele a quem chamavam de
Mestre... amai-vos uns aos outros...era o que diziam. Acreditavam firmemente
que seu Mestre ressuscitaria e não tardaria a vir à frente de suas legiões
celestes para instalar seu Reino...Um novo mundo iria começar...sem
imperfeições, sem pecados, sem maldade...gente louca! (Entra em cena a
mulher. O jato se extingue e acende-se um refletor colorido).
Tu! Tu és uma cristã, não és?
MULHER: (um tanto
amedrontada). Sim... sou...
BARRABÁS: Diga-me, então, como
podes crer num homem que morreu pregado numa cruz? Não era ele o Mestre, o
Filho de Deus? Por que, então, não destruiu seus inimigos?
MULHER: Por que estava
determinado que assim tivesse que acontecer.
BARRABÁS: Determinado? Estava
decidido que ele seria crucificado?
MULHER: Sim, está nas
Escrituras. O próprio Mestre profetizou.
BARRABÁS: Não compreendo a
razão dessa absoluta necessidade de morrer e, ainda mais, de um jeito tão
horrível...
MULHER: Ele morreu por nós.
BARRABÁS: Morreu por nós?
MULHER: Sim, em nosso lugar.
Sofreu e morreu inocentemente por nossa causa. Devemos admitir que somos nós os
culpados, e não ele. (A
mulher se retira. Barrabás fica perplexo. Ouve-se, ao fundo, sussurro forte:)
HOMEM 1 e HOMEM 2: Barrabás...
Barrabás... Barrabás...
(Entra o Discípulo em cena).
BARRABÁS: Tu também és
cristão?
DISCÍPULO: Sim, sou.
BARRABÁS: Conheceste o homem
do Gólgota?
DISCÍPULO: Era o Filho de Deus!
BARRABÁS: Como podes dizer
tamanho absurdo? O Filho de Deus crucificado? Impossível! Tu és louco...há, há,
há, há....louco...
DISCÍPULO: Não, não sou louco.
Sou, isso sim, um covarde. Abandonei meu Mestre enquanto ele sofria e
agonizava. Abandonei-o e fugi. Como poderá ele me perdoar? Que direi quando ele
me interrogar? (Oculta
o rosto em desespero).
BARRABÁS: Ele te perdoará.
DISCÍPULO: Achas que sim? Achas
que sim? (Agarra
as mãos de Barrabás; um grupo de homens se aproxima).
HOMEM 1: Acaso não sabes quem
é esse homem?
DISCÍPULO: Não.
HOMEM 1: Este é Barrabás, o
que foi libertado em lugar do Mestre. (O
homem fica horrorizado, e os outros ficam revoltados).
HOMEM 2: Deixem esse maldito! (O palco escurece
novamente. Jato de luz sobre Barrabás).
BARRABÁS: ...e assim se deu.
Fui sendo escorraçado pelos homens que se diziam cristãos, carregando em mim a
culpa que não tive. Juntei-me novamente aos bandidos de Elihaú, a quem matei
para me tornar chefe do bando. Cometi muitos assaltos e crimes. Acabei sendo
preso e enviado às minas de cobre de Chipre. Foi lá que conheci Sahak... Fui
correndo a Sahak logo que chegamos, eu e ele, às minas... Sofremos por longos
anos, juntos, todos os suplícios que se pode imaginar. Éramos chicoteados a
todo instante. Às vezes, desmaiávamos de fome. Sentíamos frio, e muitos de nós
morriam de doenças, pestes dolorosas... Descobri, um dia, que Sahak era um
deles. Sim, uma noite vi Sahak fazendo gestos estranhos e balbuciando palavras
incompreensíveis. Sahak era cristão! Nunca tinha visto Deus... mas acreditava
nele e falava-me dele com carinho, com amor... Dizia que, quando o Redentor
viesse novamente, todos seriam salvos. Mas, então, todos aqueles que apodreciam
nas minas seriam chamados à luz?... mas isso não aconteceu... ao menos para os
outros... Eu e Sahak, alguns anos depois, fomos libertados das grilhetas
levados para fora da mina. Sahak atirou-se ao solo, dizendo: Ele veio! Ele
veio! Seu reino está aqui! Fomos trabalhar como escravos, no arado, na casa de
um senhor romano... Estávamos novamente em contato com a natureza. Podíamos
ouvir o cantar dos pássaros, podíamos sentir as carícias da brisa, ver o
pôr-do-sol, molhar os nossos corpos na chuva. Era a redenção, como dizia Sahak.
O Senhor se lembrará de nós, dizia ele. Mas, e os outros? Os outros continuaram
apodrecendo nas minas. Por isso não consegui entender que espécie de Salvador
era aquele. (Apaga-se
a luz).
CENA II
CENÁRIO: Um cenário pobre.
Mesa e bancos rústicos. A Fraca Luz Lateral mostra a sombra de uma grade de
cela. Sahak é empurrado pelo soldado para dentro.
BARRABÁS: Sahak!
SAHAK: Barrabás! Então,
aqui está melhor que nas minas, não é?
BARRABÁS: Sim, aqui temos
comida... não somos chicoteados, nem precisamos andar acorrentados...
SAHAK: Isso tudo, Barrabás,
é obra de Cristo, nosso Deus...
BARRABÁS: É?
SAHAK: Sim. Tu também és
cristão, Barrabás, só não queres reconhecer.
BARRABÁS: Não entendo, como
assim?
SAHAK: Tu tens medo de ser
cristão, Barrabás. Tens medo que o senhor romano venha a descobrir...
BARRABÁS: Medo, eu? Nunca!
SAHAK: Então vamos gravar
na tua placa as inscrições de nosso Deus...
BARRABÁS: Está bem.
(Sahak inicia o trabalho de gravação e
vai explicando o significado da mesma a Barrabás).
SAHAK: Essa inscrição,
Barrabás, significa que, a partir de agora, teu corpo e tua alma pertencem ao
Filho de Deus, de quem és escravo. Quem me ensinou isso foi um escravo grego,
que era cristão e que me ensinou a crer. Eu o encontrei trabalhando nos fornos
de fundição, onde ninguém resistia por mais de um ano. O grego não resistiu nem
isso. Morreu logo depois no abrasador inferno das fornalhas. As suas últimas
palavras foram: “Senhor, não me abandones”. A partir de então, tornei-me um
cristão. (Sahak
ajoelha-se).
SAHAK: Agora, Barrabás,
temos que agradecer ao Senhor por nos ter livrado das minas. (Barrabás, arredio,
ajoelha-se).
SAHAK: Ó Mestre, nós te
agradecemos... (Barrabás
olha desconfiado). Repita
comigo, Barrabás. Ó Mestre, nós te agradecemos...
BARRABÁS: ...mestre...
agradecemos...
SAHAK: Por tudo de bom que
nos proporcionaste...
BARRABÁS: Por tudo de bom que
nos proporcionastes...
(Nesse instante, entram os soldados, o
senhor romano e o feitor dos escravos).
FEITOR: Levantem-se! (o senhor romano
toma a placa de Sahak).
ROMANO: O que significa essa
placa, escravo?
SAHAK: Que sou propriedade
do Estado romano.
ROMANO: Muito bem, muito
bem! (vira a placa). Christus Yesus... Quem é este?
SAHAK: É o meu Deus.
ROMANO: Ah, sim? Não me
lembro de já ter ouvido falar neste nome. Mas tem tantos deuses por aí que não
se pode estar a par de todos. Deus do teu país natal?
SAHAK: Não. É o Deus de
todos os homens.
ROMANO: Ah, de todos os
homens? Que dizes? Esta é muito boa, e eu nem mesmo ouvi falar nele... e por
que carregas o nome dele na tua placa de escravo?
SAHAK: Por que pertenço a Ele.
BARRABÁS: Ah, é? Pertences a
Ele? Mas não és escravo do Estado romano? (Sahak
permanece mudo). Então,
pertences ou não ao Estado?
SAHAK: Pertenço ao Senhor,
meu Deus. (O
romano nada diz e volta-se para Barrabás).
ROMANO: ...e tu, Barrabás,
cres neste deus? (Barrabás
está calado, cabisbaixo. Sahak o fita). Dize-me,
acreditas nele? (Barrabás
sacode a cabeça negativamente). Não?
Então porque trazes o seu nome na tua placa? (Barrabás,
calado). Então,
não é o teu Deus? Não é isso que a inscrição significa?
BARRABÁS: Eu não tenho deus
algum... (Sahak
lança-lhe um olhar de desespero e dor).
ROMANO: Não te compreendo,
escravo. Por que, então, esta gravação na tua placa?
BARRABÁS: ...porque... eu
gostaria de crer. (O
romano volta-se para Sahak).
ROMANO: Manténs o que
disseste?
SAHAK: Sim.
ROMANO: Se renegares a tua
fé nada te acontecerá. Consentes em fazê-lo?
SAHAK: Não posso renegar
meu Deus.
ROMANO: Mas se não o
renegares, poderás perder tua vida...
SAHAK: Não posso perder o
Senhor, meu Deus.
ROMANO: Então, nada mais
posso fazer por ti. És louco como o teu Deus... Levem-no!
(Todos se retiram do palco. Barrabás
permanece; somente um jato de luz sobre ele).
BARRABÁS: Depois disso, Sahak
foi torturado brutalmente e crucificado. Seu corpo, ensangüentado, pendia da
cruz. (pausa)... o campo estava muito
verde e coberto de flores. O sol brilhava sobre o mar que se estendia lá
embaixo... era um dia de primavera aquele em que tínhamos saído das minas, e
Sahak dissera: Ele veio! (pausa). Tempos mais tarde, o
senhor romano voltou para Roma e me levou consigo... Roma era uma cidade
maravilhosa. Homens e mulheres de todas as nacionalidades perambulavam pelas
ruas. Havia enormes templos e edifícios. Os nobres eram transportados em suas
liteiras douradas até os estabelecimentos dos banhos... Continuei escravo do
senhor romano, mas, então, eu tinha mais liberdade... podia andar pelas ruas de
vez em quando... Procurei muito pelos cristãos; era difícil encontrá-los...
Onde estariam os que afirmavam amar uns aos outros? Certa noite, ao dobrar uma
esquina, vi um enorme incêndio. O povo corria a minha volta. Diziam que eram os
cristãos que haviam iniciado a rebelião. Enfim, o grande dia chegara! Os
cristãos ateavam fogo à Roma. Soara a hora! O Salvador chegara! Desta vez eu
não iria traí-lo; não desta vez! Agarrei um facho incandescente e corri pela
cidade, ateando fogo onde podia. Jesus devia estar orgulhoso de mim... Enfim,
Barrabás acreditava... Lutava por Ele! (pausa)... mas... de repente...
fui aprisionado pelos soldados e atirado aqui nesta masmorra... (Barrabás cala-se.
Há um breve instante de silêncio. Apaga-se o jato de luz. Aos poucos, a
iluminação lateral começa a mostrar outros vultos através das grades. Barrabás
não está só. Ouve-se murmúrios;).
ALGUÉM: Quem teria feito
isso?
HOMEM 1: Foram os próprios
homens de César que atearam fogo à Roma para incriminar os cristãos.
HOMEM 2: Sim, não foram os
cristãos! Nosso mestre incendeia e aquece corações e almas... não cidades.
HOMEM 1: Deus é amor, é luz,
é bondade... (a
porta se abre e entram dois soldados).
SOLDADO: Ah! Tu és o líder
dos incendiários, e vocês querem afirmar que não participaram do incêndio.
Mentirosos! (Homem
1, Homem 2, Mulher e Ancião são trazido para dentro da cela).
MULHER: (Ao ver Barrabás) Não é possível...
SOLDADO: O que não é
possível?
HOMEM 1: Ele não pode ser
cristão... Se é ele mesmo, não é cristão.
SOLDADO: Pois ele mesmo
confirmou tudo no interrogatório e disse que era cristão. Querem ver uma coisa? (O soldado exibe a placa
de Barrabás aos outros). Não
é, por acaso, o nome de vosso Deus? (Os
homens se reúnem para ver a inscrição; o soldado retira-se).
MULHER: És de fato cristão?
HOMEM 1: Por que fizeste
isso?
HOMEM 2: Fala, homem, o que
houve? (Depois
de alguns segundos sem resposta, o ancião aproxima-se de Barrabás).
ANCIÃO: Já faz muito
tempo... Fazendo o que fizeste, meu filho, não ajudaste ao teu Senhor...
BARRABÁS: Mas eu lutei por
Ele! Enfrentei os soldados.
ANCIÃO: Ninguém conhece os
caminhos de Deus...
BARRABÁS: Mas foi por estes
cristãos que o Mestre morreu na cruz?
ANCIÃO: O Senhor é de uma
bondade infinita. Ele tem perdão para todos.
MULHER: Mas este é Barrabás,
aquele que foi libertado em lugar do Mestre...
ANCIÃO: Ele é um homem
desgraçado; não temos o direito de julgá-lo. Não temos o direito de condenar um
homem por que ele não tem Deus.
(Todos se afastam de Barrabás. O palco
fica às escuras. Música).
NARRADOR: Barrabás novamente
ficou só. Permaneceu solitário durante todos os dias de reclusão, afastado dos
outros cristãos aprisionados. Barrabás os ouvia cantar... Eram cânticos de fé
que falavam da Esperança da vida eterna que aguardavam... Depois eles foram
levados para o suplício, acorrentados dois a dois direto para a arena...
Barrabás ficou por último no cortejo. Do mesmo modo, ficou completamente só, no
extremo da fileira de condenados... A arena do Coliseu estava lotada, 50.000
pessoas reunidas para ver... Demorou muito para que tudo acabasse... Os
martirizados dirigiam-se mutuamente palavras de consolo e esperança, mas com
Barrabás ninguém falava. À hora do crepúsculo, os expectadores já se tinham
retirado... Além disso, a maioria dos martirizados já estavam mortos. Só
Barrabás e alguns poucos ainda lutavam contra as feras selvagens que os rodeavam...
Sentindo a morte aproximar-se, ele, o bandido, o assassino, disse na escuridão,
como se falasse para as estrelas:
BARRABÁS: “A ti , Senhor,
entrego minha alma!” (Música).
NARRADOR: Barrabás ouviu uma
voz como vinda das próprias estrelas:
VOZ: “Ainda
hoje, Barrabás, estarás comigo no paraíso!” (Apagam-se
todas as luzes. Música).
FIM.
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