sábado, 2 de maio de 2015

Barrabás

Barrabás
Autor Desconhecido
Adapt. Por Élvio Nei Figur
Primavera do leste, 2009
CENA I
CENÁRIO: O palco está praticamente às escuras, ao fundo, três cruzes com pessoas crucificadas (Figuras em tamanho real). Uma fraca luz lateral projeta as sombras de quatro pessoas (MULHER, DISCÍPULO, HOMEM 1 e HOMEM 2) em direção às cruzes. Barrabás está no lado escuro do palco.
NARRADOR: Todos sabem como Ele foi crucificado, juntamente com dois outros, e quais as pessoas que se achavam em volta dele. Eram Maria, sua mãe, Maria Madalena e Verônica, Simão Cirineu, que o tinha ajudado a carregar a cruz e José de Arimatéia, que o tinha de amortalhar(pausa). Um pouco afastado dos outros, porém, mais abaixo da encosta, um homem observava constantemente aquele que estava pregado na cruz, lá no alto, acompanhando a sua agonia do começo ao fim. Chamava-se Barrabás... (Jato de luz sobre Barrabás, que se encontra mais retirado).
BARRABÁS: Sim, eu sou Barrabás; Barrabás, o prescrito! Barrabás, o bandoleiro! Barrabás, o assassino! ...mas aquele lá, pregado no madeiro, quem é? O que fez ele para morrer assim? Não posso compreender... não é da minha conta, mas como puderam condená-lo assim? Vê-se que não é criminoso... (Ouve-se sussurros fortes cadenciando ao fundo:)
HOMEM 1 e HOMEM 2: Barrabás... Barrabás... Barrabás...
BARRABÁS: Por que escolheram a mim? (Ouve-se a voz de Cristo no madeiro, balbuciando:)
VOZ:“Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste”?
(O palco escurece totalmente. Permanece apenas o Jato de Luz sobre Barrabás).
BARRABÁS: Sim, eu sou Barrabás, o libertado! Não tive mãe, jamais ouvi falar em meu pai. Sou um pária; a escória; um verme. Depois que o tal Jesus morreu no Gólgota, voltei para Jerusalém. Afinal, eu conseguira livrar a minha pele. Voltei para os meus. A partir de então, os que se chamavam de “cristãos” passaram a repudiar-me... e os cristãos eram muitos. Encontrei-os nas ruas, nas praças, nos albergues... Eu procurava saber mais sobre o homem do Gólgota, aquele a quem chamavam de Mestre... amai-vos uns aos outros...era o que diziam. Acreditavam firmemente que seu Mestre ressuscitaria e não tardaria a vir à frente de suas legiões celestes para instalar seu Reino...Um novo mundo iria começar...sem imperfeições, sem pecados, sem maldade...gente louca! (Entra em cena a mulher. O jato se extingue e acende-se um refletor colorido). Tu! Tu és uma cristã, não és?
MULHER: (um tanto amedrontada). Sim... sou...
BARRABÁS: Diga-me, então, como podes crer num homem que morreu pregado numa cruz? Não era ele o Mestre, o Filho de Deus? Por que, então, não destruiu seus inimigos?
MULHER: Por que estava determinado que assim tivesse que acontecer.
BARRABÁS: Determinado? Estava decidido que ele seria crucificado?
MULHER: Sim, está nas Escrituras. O próprio Mestre profetizou.
BARRABÁS: Não compreendo a razão dessa absoluta necessidade de morrer e, ainda mais, de um jeito tão horrível...
MULHER: Ele morreu por nós.
BARRABÁS: Morreu por nós?
MULHER: Sim, em nosso lugar. Sofreu e morreu inocentemente por nossa causa. Devemos admitir que somos nós os culpados, e não ele. (A mulher se retira. Barrabás fica perplexo. Ouve-se, ao fundo, sussurro forte:)
HOMEM 1 e HOMEM 2: Barrabás... Barrabás... Barrabás...
(Entra o Discípulo em cena).
BARRABÁS: Tu também és cristão?
DISCÍPULO: Sim, sou.
BARRABÁS: Conheceste o homem do Gólgota?
DISCÍPULO: Era o Filho de Deus!
BARRABÁS: Como podes dizer tamanho absurdo? O Filho de Deus crucificado? Impossível! Tu és louco...há, há, há, há....louco...
DISCÍPULO: Não, não sou louco. Sou, isso sim, um covarde. Abandonei meu Mestre enquanto ele sofria e agonizava. Abandonei-o e fugi. Como poderá ele me perdoar? Que direi quando ele me interrogar? (Oculta o rosto em desespero).
BARRABÁS: Ele te perdoará.
DISCÍPULO: Achas que sim? Achas que sim? (Agarra as mãos de Barrabás; um grupo de homens se aproxima).
HOMEM 1: Acaso não sabes quem é esse homem?
DISCÍPULO: Não.
HOMEM 1: Este é Barrabás, o que foi libertado em lugar do Mestre. (O homem fica horrorizado, e os outros ficam revoltados).
HOMEM 2: Deixem esse maldito! (O palco escurece novamente. Jato de luz sobre Barrabás).
BARRABÁS: ...e assim se deu. Fui sendo escorraçado pelos homens que se diziam cristãos, carregando em mim a culpa que não tive. Juntei-me novamente aos bandidos de Elihaú, a quem matei para me tornar chefe do bando. Cometi muitos assaltos e crimes. Acabei sendo preso e enviado às minas de cobre de Chipre. Foi lá que conheci Sahak... Fui correndo a Sahak logo que chegamos, eu e ele, às minas... Sofremos por longos anos, juntos, todos os suplícios que se pode imaginar. Éramos chicoteados a todo instante. Às vezes, desmaiávamos de fome. Sentíamos frio, e muitos de nós morriam de doenças, pestes dolorosas... Descobri, um dia, que Sahak era um deles. Sim, uma noite vi Sahak fazendo gestos estranhos e balbuciando palavras incompreensíveis. Sahak era cristão! Nunca tinha visto Deus... mas acreditava nele e falava-me dele com carinho, com amor... Dizia que, quando o Redentor viesse novamente, todos seriam salvos. Mas, então, todos aqueles que apodreciam nas minas seriam chamados à luz?... mas isso não aconteceu... ao menos para os outros... Eu e Sahak, alguns anos depois, fomos libertados das grilhetas levados para fora da mina. Sahak atirou-se ao solo, dizendo: Ele veio! Ele veio! Seu reino está aqui! Fomos trabalhar como escravos, no arado, na casa de um senhor romano... Estávamos novamente em contato com a natureza. Podíamos ouvir o cantar dos pássaros, podíamos sentir as carícias da brisa, ver o pôr-do-sol, molhar os nossos corpos na chuva. Era a redenção, como dizia Sahak. O Senhor se lembrará de nós, dizia ele. Mas, e os outros? Os outros continuaram apodrecendo nas minas. Por isso não consegui entender que espécie de Salvador era aquele. (Apaga-se a luz).
CENA II
CENÁRIO: Um cenário pobre. Mesa e bancos rústicos. A Fraca Luz Lateral mostra a sombra de uma grade de cela. Sahak é empurrado pelo soldado para dentro.
BARRABÁS: Sahak!
SAHAK: Barrabás! Então, aqui está melhor que nas minas, não é?
BARRABÁS: Sim, aqui temos comida... não somos chicoteados, nem precisamos andar acorrentados...
SAHAK: Isso tudo, Barrabás, é obra de Cristo, nosso Deus...
BARRABÁS: É?
SAHAK: Sim. Tu também és cristão, Barrabás, só não queres reconhecer.
BARRABÁS: Não entendo, como assim?
SAHAK: Tu tens medo de ser cristão, Barrabás. Tens medo que o senhor romano venha a descobrir...
BARRABÁS: Medo, eu? Nunca!
SAHAK: Então vamos gravar na tua placa as inscrições de nosso Deus...
BARRABÁS: Está bem.
(Sahak inicia o trabalho de gravação e vai explicando o significado da mesma a Barrabás).
SAHAK: Essa inscrição, Barrabás, significa que, a partir de agora, teu corpo e tua alma pertencem ao Filho de Deus, de quem és escravo. Quem me ensinou isso foi um escravo grego, que era cristão e que me ensinou a crer. Eu o encontrei trabalhando nos fornos de fundição, onde ninguém resistia por mais de um ano. O grego não resistiu nem isso. Morreu logo depois no abrasador inferno das fornalhas. As suas últimas palavras foram: “Senhor, não me abandones”. A partir de então, tornei-me um cristão. (Sahak ajoelha-se).
SAHAK: Agora, Barrabás, temos que agradecer ao Senhor por nos ter livrado das minas. (Barrabás, arredio, ajoelha-se).
SAHAK: Ó Mestre, nós te agradecemos... (Barrabás olha desconfiado). Repita comigo, Barrabás. Ó Mestre, nós te agradecemos...
BARRABÁS: ...mestre... agradecemos...
SAHAK: Por tudo de bom que nos proporcionaste...
BARRABÁS: Por tudo de bom que nos proporcionastes...
(Nesse instante, entram os soldados, o senhor romano e o feitor dos escravos).
FEITOR: Levantem-se! (o senhor romano toma a placa de Sahak).
ROMANO: O que significa essa placa, escravo?
SAHAK: Que sou propriedade do Estado romano.
ROMANO: Muito bem, muito bem! (vira a placa). Christus Yesus... Quem é este?
SAHAK: É o meu Deus.
ROMANO: Ah, sim? Não me lembro de já ter ouvido falar neste nome. Mas tem tantos deuses por aí que não se pode estar a par de todos. Deus do teu país natal?
SAHAK: Não. É o Deus de todos os homens.
ROMANO: Ah, de todos os homens? Que dizes? Esta é muito boa, e eu nem mesmo ouvi falar nele... e por que carregas o nome dele na tua placa de escravo?
SAHAK: Por que pertenço a Ele.
BARRABÁS: Ah, é? Pertences a Ele? Mas não és escravo do Estado romano? (Sahak permanece mudo). Então, pertences ou não ao Estado?
SAHAK: Pertenço ao Senhor, meu Deus. (O romano nada diz e volta-se para Barrabás).
ROMANO: ...e tu, Barrabás, cres neste deus? (Barrabás está calado, cabisbaixo. Sahak o fita). Dize-me, acreditas nele? (Barrabás sacode a cabeça negativamente). Não? Então porque trazes o seu nome na tua placa? (Barrabás, calado). Então, não é o teu Deus? Não é isso que a inscrição significa?
BARRABÁS: Eu não tenho deus algum... (Sahak lança-lhe um olhar de desespero e dor).
ROMANO: Não te compreendo, escravo. Por que, então, esta gravação na tua placa?
BARRABÁS: ...porque... eu gostaria de crer. (O romano volta-se para Sahak).
ROMANO: Manténs o que disseste?
SAHAK: Sim.
ROMANO: Se renegares a tua fé nada te acontecerá. Consentes em fazê-lo?
SAHAK: Não posso renegar meu Deus.
ROMANO: Mas se não o renegares, poderás perder tua vida...
SAHAK: Não posso perder o Senhor, meu Deus.
ROMANO: Então, nada mais posso fazer por ti. És louco como o teu Deus... Levem-no!
(Todos se retiram do palco. Barrabás permanece; somente um jato de luz sobre ele).
BARRABÁS: Depois disso, Sahak foi torturado brutalmente e crucificado. Seu corpo, ensangüentado, pendia da cruz. (pausa)... o campo estava muito verde e coberto de flores. O sol brilhava sobre o mar que se estendia lá embaixo... era um dia de primavera aquele em que tínhamos saído das minas, e Sahak dissera: Ele veio! (pausa). Tempos mais tarde, o senhor romano voltou para Roma e me levou consigo... Roma era uma cidade maravilhosa. Homens e mulheres de todas as nacionalidades perambulavam pelas ruas. Havia enormes templos e edifícios. Os nobres eram transportados em suas liteiras douradas até os estabelecimentos dos banhos... Continuei escravo do senhor romano, mas, então, eu tinha mais liberdade... podia andar pelas ruas de vez em quando... Procurei muito pelos cristãos; era difícil encontrá-los... Onde estariam os que afirmavam amar uns aos outros? Certa noite, ao dobrar uma esquina, vi um enorme incêndio. O povo corria a minha volta. Diziam que eram os cristãos que haviam iniciado a rebelião. Enfim, o grande dia chegara! Os cristãos ateavam fogo à Roma. Soara a hora! O Salvador chegara! Desta vez eu não iria traí-lo; não desta vez! Agarrei um facho incandescente e corri pela cidade, ateando fogo onde podia. Jesus devia estar orgulhoso de mim... Enfim, Barrabás acreditava... Lutava por Ele! (pausa)... mas... de repente... fui aprisionado pelos soldados e atirado aqui nesta masmorra... (Barrabás cala-se. Há um breve instante de silêncio. Apaga-se o jato de luz. Aos poucos, a iluminação lateral começa a mostrar outros vultos através das grades. Barrabás não está só. Ouve-se murmúrios;).
ALGUÉM: Quem teria feito isso?
HOMEM 1: Foram os próprios homens de César que atearam fogo à Roma para incriminar os cristãos.
HOMEM 2: Sim, não foram os cristãos! Nosso mestre incendeia e aquece corações e almas... não cidades.
HOMEM 1: Deus é amor, é luz, é bondade... (a porta se abre e entram dois soldados).
SOLDADO: Ah! Tu és o líder dos incendiários, e vocês querem afirmar que não participaram do incêndio. Mentirosos! (Homem 1, Homem 2, Mulher e Ancião são trazido para dentro da cela).
MULHER: (Ao ver Barrabás) Não é possível...
SOLDADO: O que não é possível?
HOMEM 1: Ele não pode ser cristão... Se é ele mesmo, não é cristão.
SOLDADO: Pois ele mesmo confirmou tudo no interrogatório e disse que era cristão. Querem ver uma coisa? (O soldado exibe a placa de Barrabás aos outros). Não é, por acaso, o nome de vosso Deus? (Os homens se reúnem para ver a inscrição; o soldado retira-se).
MULHER: És de fato cristão?
HOMEM 1: Por que fizeste isso?
HOMEM 2: Fala, homem, o que houve? (Depois de alguns segundos sem resposta, o ancião aproxima-se de Barrabás).
ANCIÃO: Já faz muito tempo... Fazendo o que fizeste, meu filho, não ajudaste ao teu Senhor...
BARRABÁS: Mas eu lutei por Ele! Enfrentei os soldados.
ANCIÃO: Ninguém conhece os caminhos de Deus...
BARRABÁS: Mas foi por estes cristãos que o Mestre morreu na cruz?
ANCIÃO: O Senhor é de uma bondade infinita. Ele tem perdão para todos.
MULHER: Mas este é Barrabás, aquele que foi libertado em lugar do Mestre...
ANCIÃO: Ele é um homem desgraçado; não temos o direito de julgá-lo. Não temos o direito de condenar um homem por que ele não tem Deus.
(Todos se afastam de Barrabás. O palco fica às escuras. Música).
NARRADOR: Barrabás novamente ficou só. Permaneceu solitário durante todos os dias de reclusão, afastado dos outros cristãos aprisionados. Barrabás os ouvia cantar... Eram cânticos de fé que falavam da Esperança da vida eterna que aguardavam... Depois eles foram levados para o suplício, acorrentados dois a dois direto para a arena... Barrabás ficou por último no cortejo. Do mesmo modo, ficou completamente só, no extremo da fileira de condenados... A arena do Coliseu estava lotada, 50.000 pessoas reunidas para ver... Demorou muito para que tudo acabasse... Os martirizados dirigiam-se mutuamente palavras de consolo e esperança, mas com Barrabás ninguém falava. À hora do crepúsculo, os expectadores já se tinham retirado... Além disso, a maioria dos martirizados já estavam mortos. Só Barrabás e alguns poucos ainda lutavam contra as feras selvagens que os rodeavam... Sentindo a morte aproximar-se, ele, o bandido, o assassino, disse na escuridão, como se falasse para as estrelas:
BARRABÁS: “A ti , Senhor, entrego minha alma!” (Música).
NARRADOR: Barrabás ouviu uma voz como vinda das próprias estrelas:
VOZ: “Ainda hoje, Barrabás, estarás comigo no paraíso!” (Apagam-se todas as luzes. Música).
FIM.


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