O HOMEM E OS 4 CAVALEIROS DO APOCALIPSE
Escrita por José Carlos Broch - Porto
Alegre - 1983 – RS
Personagens:
O Homem; A Doença; A Guerra; A Fome; A
Morte; Narrador; Guarda;
Cena Única:
Uma praça deserta à noite. Um banco no
meio do cenário, ao lado uma cesta de lixo contendo o globo terrestre. Em
primeiro plano, em uma das extremidades do cenário, um poste de luz junto a uma
caixa postal. Sentado na caixa está o "Narrador" com um violão ou com
fundo musical, há ruídos do cotidiano de uma cidade.
Narrador: (Com ar de debochado)
Vou lhes contar uma história / Um tanto
inquietante. / Não é nada engraçado / Nem tão pouco empolgante ... / É, quem
sabe, uma fábula / Desagradável ... e bastante.
(Pausa)
Certa vez a humanidade / Em seu ritmo acelerado /
Com a mente pesada / E o olhar cansado, / Por uma praça passou. / Sem mais uma
gota de capacidade / E o juízo embriagado, / Com a moral arrasada / E o físico
viciado / Por ali descansou.
Entra em cena o "Homem",
caracterizado como um mendigo. Assenta-se sobre o banco mas nisso chega um
guarda, tipicamente vestido, e enxota o "Homem" do banco, obrigando-o
a descansar sobre a cesta de lixo. O guarda se retira.
Narrador: (Cantando acompanhado do violão ou declamando com fundo musical)
Num momento o tempo para, / Os ponteiros não giram
mais. / Os dias se perdem no espaço / E as horas são iguais. / Porém o que o
homem não sabia / É que nesta noite, só não ficaria. / Aqueles que o destino
dos humanos vão traçar / Esta noite vão lhe acompanhar.
O narrador toma um pergaminho e faz a
leitura de Lv 26.25
Narrador: - "... Enviarei a
peste para o meio de vós, e sereis entregues na mão do inimigo."
Os ruídos cessam bruscamente. Entra em
cena a "Doença". A "Doença" tem a face amarelada e veste um
longo manto branco. Carrega um arco e uma flecha, tem uma cobra em uma das mãos
e uma coroa em sua cabeça. Senta-se no banco sem reparar no "Homem",
intrigado com o estranho, arrisca um diálogo.
Homem: - Boa noite ...,
senhor! Acaso vos conheço de algum lugar?
Doença: (dirigindo o olhar
para o homem)
- Sim..., aliás eu já lhe devia ser familiar.
Homem: - És por mim
conhecido...? / Perdão, mas já devo tê-lo esquecido. / Quem sois vós?
Doença: - Eu sou um espectro /
Que vagueia solto pela terra.
/ Enviado para percorrer a vida dos homens / Por sobre os vales / Acima das
colinas / E por entre as serras. / Eu sou a dor da tua ferida, / A moléstia do
teu corpo, / O mal da tua vida.
Queiras ou não, em tua vida / Terás a minha
presença. / E por mais que me evites estarei contigo, / Porque eu... eu sou a
doença.
Homem: - Ora, então sois vós
a Doença... / Não é à toa que vos esqueci, / Pois há muito me afastei da tua
presença. / Confesso que por anos me preocupaste, / Mas graças ao meu esforço e
à minha ciência / Há anos te mantenho à distância.
Doença: - Não cantes a vitória
a vitória antes do tempo / Pois ainda não conheces toda a minha força. / Não solte
glórias ao vento / Pois tenho trunfos na manga. / Ainda não sentiste todo o meu
poder / Mas na consumação dos tempos irás ver.
Narrador: (lendo o
pergaminho, trecho de Apocalipse cap.6, v.4)
- "E saiu outro cavalo, vermelho, e ao seu
cavaleiro foi-lhe dado tirar a paz da terra para que os homens se matassem uns
aos outros; também lhe foi dada uma grande espada".
Entra em cena "A Guerra". A
"Guerra" tem os olhos escurecidos em roxo pela ira. Veste-se de
pelos, firmados ao corpo por um grande cinturão. Sobre a cabeça tem um elmo com
chifres, carrega uma espada e um escudo circular. Chega-se à frente do palco,
olha para os lados e em seguida senta-se.
Guerra: (fincando a espada
no chão)
- Espero que não façam objeção / Se eu me sentar
junto de vós; / Desculpe se não lhes faço cortesia / Mas não cometo tal
heresia.
Doença: - E quem sois vós para
interromper-me / Com tamanha arrogância?
Guerra: - Eu?... (levanta-se e
caminha pelo palco) / Eu
sou o Senhor da ira e da violência. / Desde o dia em que Satã foi expulso do
céu / E pisou na terra, eu sou. / Muito antes de Caim matar Abel / E sangrar a
terra, eu estou; / E aqui ficarei até o juízo. / Sou eu quem corre o mundo /
Semeando rixas e hostilidade.
Eu sou a Guerra... que tira a paz da humanidade.
Homem: (Interrompendo)
- Isto é novela... / Há muito tempo me afasto de... (sorri
ironicamente) "Vossa
Excelência"!...
Guerra: (com deboche)
- E quem é "Vossa Magnificência"?
Homem: - Eu sou o Homem!
Guerra: (fingindo surpresa)
- Homem?!... E tu dizes nada ter comigo... / Eu que
sou teu companheiro mais antigo...
Sempre que te interessas pelos bens de teu irmão, /
Não sou eu teu primeiro aliado?
Mesmo quando te irritas em vão, / Não sou eu o
primeiro a ser chamado?
Tu dizes te afastar de mim?... / Como podes me ignorar
assim?
Homem: - Ora... perturbar a
humanidade você já não é capaz. / Há muito tempo venho criando leis pacifistas,
/ Por anos venho assinando tratados de paz / E, também, acordos
desarmamentistas.
Guerra: - Ah!... como se isso
fosse o suficiente / Para eu ser esquecido...
Um tratado de paz é um álibi perfeito / Para poder
apunhalar teu irmão no escuro.
Saiba, homem, que eu jamais serei vencido; / E
disso você pode estar seguro.
Narrador: (lendo o
pergaminho, trecho de Ap 6.5-6)
- "Então vi, e eis um cavalo preto e seu
cavaleiro com uma balança na mão. E ouvi como que uma voz no meio dos quatro
seres viventes, dizendo":
Entra em cena a "Fome"
caracterizada como um burguês da França do século XVIII. Casaca vermelha,
colete e meias brancas com fitas vermelhas, calças pretas e sapatos com fivela.
Tem uma cartola preta sobre a cabeça e carrega uma balança em uma das mãos.
Fome: (mexendo
em um punhado de trigo que traz na balança)
- "Uma medida de trigo por um denário; três
medidas de cevada por um denário; e não danifiques o azeite e o vinho".
Doença: - Mais um
forasteiro... / Esta praça está ficando muito agitada.
Guerra: - Eu gosto de
agitação... / Sempre posso usar minha espada.
Doença: (examinando o
recém-chegado)
- De onde vens?
Fome: - Eu venho da terra; /
Venho de uma longa jornada... (senta-se)
/ Longa
e exaustiva, / Mas bem aproveitada.
Guerra: (sentando-se)
- Pareces cansado... / Por onde tens viajado?
Fome: - Ora... por todo
lado... / Venho perambulando pelo tempo / Desde a pré-história, / Passando pelo
Egito antigo... / Até me falha a memória. / Tendo estado em tantos lugares, /
Foram tantas as andanças... / Mas nem isto, nem o tempo me desgastou, / Por
mais que haja mudanças. / Estou sempre disposto. / Sempre em atividade; / E os
resultados são sempre satisfatórios... / Sem dificuldade. (Pausa) / E... quem é o vosso
companheiro ali sentado?
Guerra: - É o Homem...
Fome: - Homem?... Logo
percebi. / Com essa expressão de cão acuado, / Cobrindo-se de trapos, / Sem
confiança,... desorientado... / E engolindo sapos. / Pobre criatura... seu
estado é pavoroso.
Homem: (indignado)
- E como te chamas, "Todo-Poderoso"?
Fome: - Mas que falta a
minha... / Ainda não me apresentei. / Pois bem, ainda há tempo. / Não é
pretensão, mas na verdade sou um rei; / O rei da miséria, da penúria e da
indigência. / Eu sou aquele que castiga sem violência. / Você bem sabe o meu
nome, / Você me conhece... eu sou a Fome.
Homem: - Fome? Tolice. Minha
geração já não te conhece. / Você é um fantasma do passado. / A humanidade aos
poucos te esquece / E te deixa isolado. / Hoje incrementamos a agricultura, /
Desenvolvemos nossos meios de subsistência, / Nossa geração goza de fartura / E
distribuímos alimentos a quem tem carência. / Vivemos bem graças ao nosso
talento / Enquanto que você... morre no esquecimento.
Fome: (fazendo drama)
- Morro no esquecimento? / Isso até me causa tédio.
/ Posso dizer o mesmo de teus irmãos / Da África e América Latina.
Narrador: (canta acompanhado
de violão ou declama)
- Das entranhas das trevas / Ouço um cavalo a
galopar; / Em dorso um estranho cavaleiro... / Um espectro cavalgando no ar. /
Ele vem de um breu profundo; / Dos abismos do mundo. / Sua voz retumba:
"Vim, vi e venci!" / Só ele diz e cumpre com certeza / Pois do mal é
alteza; / E traz o inferno atrás de si. / Ele se põe no seu caminho
E lhe deixa face a face com Satã / Dando-lhe
oportunidade / De provar que sua fé não é vã. / Porém se sua fé fraquejar / Ele
se torna inimigo forte / Porque ele... ele é a Morte.
(abre o pergaminho e lê o trecho de Ap
6.8)
"...E eis um cavalo amarelo e seu cavaleiro,
sendo este chamado Morte: e o inferno o estava seguindo".
Entra em cena a "Morte" tendo
a face alva, vestindo uma longa túnica preta e carregando uma foice. O Homem se
encolhe e esfrega as mãos; demonstra sentir frio.
Morte: - Boa Noite...
Doença, Guerra e Fome se entreolham.
Doença: (confabulando com
os outros)
- Quem é esta estranha criatura?
Homem: - Eu o conheço... É a
Morte: o pai da amargura.
Guerra: (olhando a
"Morte" com desdém)
- Morte? ... Desconheço quem seja.
Morte: - Não reconheces o teu
senhor? ... Ora veja... / Um servo tão fiel, / Trabalha sem saber para quem.
Guerra: (irritado)
- Não trabalho para ninguém!
Morte: - Não seja tolo... És
meu servo. / E você também... (aponta
para a Fome) / E
você. (aponta para a
Doença) / Sem
mim vocês não poderiam sustentar seu ópio. / Sem mim vocês viveriam no ócio. /
Vocês são de minha dependência, / (aproxima-se
do "Homem") / E
você... A razão de minha existência. / Eu existo para mantê-lo sob meu poder.
Doença: - Espero, você quer se
promover. / Se o homem está subjugado a alguém / Está a mim e a mais ninguém.
Guerra: - Tolice... Todos
sabem que sou mais poderoso.
Fome: - Difamar já é
vergonhoso... / Se o Homem sofre em tuas mãos, que direi eu? / Sejam sensatos;
o mérito é meu.
Guerra: - Pois sim! E o que
dizer de minhas obras? / Dominei a mente de vários homens / E estive em suas
manobras. / Em 1096 quatrocentos mil cristãos eu arrastei / Através da Ásia
Menor eu os guiei / Dando início às Cruzadas.
Doença: - Palavras
desperdiçadas! / Quando eles chegaram à Antioquia / Eu também me fiz presente.
Fome: - E quando os turcos
os cercaram / Eu os abracei sorridente. / Seus lamentos de dor eu ouvi.
Morte: (intrometendo-se)
- E, por fim... suas almas acolhi.
Guerra: - Ainda tenho muitas
histórias para contar... / Napoleão, para começar, / Promoveu meu nome por
Marongo, Ulm, Austerlitz, Waterloo e muitos outros lugares.
Fome: - Também estive lá,
mesmo sem notares.
Doença: - E eu os acompanhei.
Morte: (provocando)
- Por fim, somente eu reinei.
Guerra: (perdendo a calma)
- Isso é só o começo. / Ainda posso falar de Júlio
César, Nero, Hitler, Sadam Hussein e outros homens que até me esqueço.
Doença: - O que dizer sobre
Hitler? / A mim ele também serviu. / Seu povo, seus soldados / E os judeus que
ele perseguiu. / Todos estes eu embalei em meus braços.
Fome: - E eu os fiz em
pedaços, / Torturando-os de uma forma cabal.
Morte: (completando)
- E eu ceifei suas cabeças no final. / Sejam
sensatos, embora não queiram admitir, / De uma forma ou de outra vocês
trabalham prá mim. / Não adianta modificar ou intervir;
Isto sempre será assim. / Eu sou o vosso amo, / O
Senhor das Trevas, / O Mal Supremo. / Eu sou o Destino da Humanidade, / O
Inferno me acompanha, / E assim será por toda a eternidade.
Guerra: - Embora não goste da
idéia, / Tenho que reconhecer: / Por todos estes milênios / Servimos a este
ser. / De uma forma involuntária e inconsciente / Éramos por ele comandados / E
seu poder é visivelmente superior... / Bem mais elevado!
Doença: (colocando as mãos
sobre os ombros da "Guerra" e da "Fome")
- E evitando maiores discussões, reconheçamos: /
Nossos poderes são iguais / E os adquirimos para usarmos / Contra criaturas
normais.
Fome: (voltando-se para o
"Homem")
- Sim... para torturar a humanidade, / Essa espécie
arrogante. / A demagoga majestade / De um mundo elegante.
Guerra: - E então, homem?
Concorda que não adianta relutar? / Você não pode nos combater. / Você não pode
nos evitar.
Doença: - Você não pode nos
deter!
Fome: - Você não tem estima
e nem valor. / Você está indefeso e sabe disto. / Que créditos você tem a seu
favor?
O Homem vacila. Está confuso. Porém se
lembra de algo que pode ser sua tábua de salvação.
Homem: (retirando um
crucifixo de suas vestes)
- Apenas a fé neste Cristo...
Todos ficam imóveis. A
"Morte" retira-se rapidamente, em seguida os outros três seres. Por
fim sai o "Homem".
Narrador: (lendo o
pergaminho, trecho de Jeremias 15.2,3 e 6)
- "Quando te perguntarem: Para onde iremos?
Dir-lhes-ás: Assim diz o Senhor: O que é para a morte, para a morte"; (volta à cena a
"Morte") "...
o que é para a espada, para a espada"; (volta
à cena a "Guerra") "...
o que é para a fome, para a fome"; (volta
à cena a "Fome") "...
o que é para o cativeiro, para o cativeiro"; (volta
à cena a "Doença") "Porque
os punirei com quatro sortes de castigos, diz o Senhor: com espada para matar,
com cães para os arrastarem, e com as aves dos céus e as feras do campo para os
devorarem e destruírem". (aponta
para a platéia) "Tu
me rejeitaste, diz o Senhor; voltaste para trás; por isto levantarei a minha
mão contra ti, e te destruirei; estou cansado de ter compaixão". (fecha o
pergaminho)
Narrador: (continuando)
- Contra a santa ira de Deus há somente um escudo.
Você sabe qual é? Você o tem?
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