sábado, 2 de maio de 2015

Divórcio Caipira

Escrito por integrantes do Força Jovem

CENA 1
(Astrogildo está quase deitado no chão, apoiando apenas sobre um cotovelo, esbravejando. Na outra mão segura um guidão de bicicleta. Pendurado em seu pescoço há uma roda ou pneus de bicicleta. O restante da bicicleta está caído ao seu lado, a roda ainda girando).
ASTROGILDO: Por que não olha por onde anda, seu desastrado! Podia tê me matado, seu loco! Volte aqui se ocê for bem home! Vem aqui que eu mostro proçê como se faiz com esses cara da cidade que acham que são os donos da estrada! Dentro dessa banheira ocê pode sê home, mais vem aqui que eu quero vê se no braço você é capaiz de me enfrentá, seu vagabundo!
ROBERTO: (Chega perto dele apontando um revólver e agarra-o pelo colarinho) Escuta aqui: Quem mandou ficar passeando pela estrada bêbado, como se estivesse tentando cercar um galo?
AST: (com medo, tapando a boca do revólver com o dedo) Bem... Sacumé...
ROB: Parece que ouvi alguém dizer para eu voltar aqui se fosse homem...
AST: Bem... Sim... isto é, não. Sacumé, eu só queria sabê se ocê tinha se machucado. É sempre pirigoso a gente tá dentro de um carrinho como esse maverique e bater numa bicicretona desse tamanho aí.
ROB: Ei, você não é marido da Guilhermina? Pois saiba que eu gosto dela. E ela acabará indo junto comigo. Tchau caipira. Da próxima vez que eu encontrar você, vê se sobe o barranco com esse caco de bicicleta, senão passo por cima e ainda dou uns tiros.
AST: Sim, claro... qué dizê... como quisé: (Roberto sai) Sujeitinho nervoso. Precisava logo puxa aquele trabuco desse tamanho (mostra um tamanho exagerado). Bem, o negócio é juntá o que sobrô de mim e da magrela e i pra casa (enquanto começa a ajuntar a bicicleta, fecha a cortina).
CENA 2
AST: (Chega em casa bufando de raiva): Esse cara vai vê uma coisa! Ele não sabe com que tá se metendo! Pensa que é grande coisa, por que tem uma banheira daquelas. Comigo não é sopa. Galo de fora não canta no meu terreiro. Quem canta aqui sou eu. (Acha um bilhete sobre a mesa e lê): “Astrogildo, já sabe o que fazê quando chegá em casa”, E eu me pergunto: será que é mesmo o galo que canta aqui?? (Pega uma vassoura e começa a varrer desordenadamente). Mai tá difici a vida. É desaforo fora de casa; é desaforo dentro de casa (fica um pouco em silêncio, varrendo). Mai esse cara vai ver! Ele não sabe com quem tá se metendo. Pensa que é grande coisa, só porque tem uma banheira daquelas. Comigo não é sopa! Galo de fora não cantano meu terreiro! Quem canta aqui sou eu!
Guilhermina (Grita no quarto): Astrogildo!
AST: Ou será que não é o galo que canta aqui? (varre rapidamente). P problema é que esse cara tá procurando briga. Tá me provocando! Tô precisando limpá meu nome (continua xingando).
GUI: (entra): O que ocê já fei até agora? Tá fazendo direito o serviço?
AST: Tô fazendo sim. Des que cheguei já passei pano nos móve, lavei as parede e até já limpei o teto. E agora tô limpano o chão.
GUI: Sei não... Não sei se tá bem limpa essa casa. Memo assim, pode descansá um pouco prá nói tomá um cafezinho (fica lendo fotonovela).
AST: (senta-se) Pelo meno uma coisa boa (espera).
GUI: Girdo, oquê ocê tá esperando prá busca o café? Será que só eu tenho que trabaiá nessa casa? Por isso que eu tô enjoado docê. Aqui, se arguma coisa tem de sê feita, eu que tenho que fazê.
AST: (Sai para buscar o café; ouve-se barulho de panelas, louças e coices) Mai esse cara vai vê! Ele não sabe com quem tá se meteno! Pensa que é grande.
GUI: com é, esse café vai demorá muito?
AST: (entrando)Ou será que o galo não canta aqui?
GUI: De quem ocê tava xingando daquele jeito?
AST: É daquele seu tar de ex-paquera. Tava num baita carrão branco de oito cilindro. Parece que chama maverique aquele trem. Quase que ele passa por cima de mim mais a magrela.
GUI: O Robertinho? Você viu o Robertinho?
AST: Mai já fui mandano ele pará e resolvi a coisa no tapa ali mesmo!
GUI: Você brigou com o Robertinho?
AST: Ele não teve nem chance. E isso que ele tinha mai o meno meia dúzia de capanga com ele. Mai eu fui ando tapa, soco e coice em todo mundo e ponhei tudo eles prá corrê.
GUI: Ocê é um caipira grosso e bruto. Prá que brigá com um home tão romântico como o Robertinho. Ah! se eu tivesse casado com ele...
AST: Foi isso que me deixô mais invocado. Ele teve a corage de falá que gosta d’ ocê, que sou caipira e que vai tomá ocê de eu.
GUI: É verdade? Eu preciso vê ele pra batê um papo bem legar com ele e dá uma volta naquele baita carrão branco. Eta carrinho bão aquele maverique. Vamo dá umas escutada nuns roquediscoteque. Óia, fála a verdade, eu acho ocê memo um bruta caipirão sem graça. E pé rapado, ainda por cima. Nem um fusquinha desse 50 e quarqué coisa ocê tem.
AST: Então ocê qué dizê que gosta mai daquele aproveitadô da cidade do que de eu?
GUI: Sim, e daí?
AST: (falando mais pra si) E eu me pergunto se não sô memo um caipirão sem graça. (então para ela) Ocê não presta. Tá mai interessada no maverique dele do que nimim. Mai ocê também vai me pagá, muié. Eu vô dá uns tapa nessa sua cara que ocê vai inté perdê o rumo, sua interessera. Vai inté esquecê car é a cor daquela droga de carro, de tanta estrela que vai vê.
GUI: Não fica bancando o galo, que ocê não tem corage memo.
AST: Vai! Vai! Co’ aquele ixibido. Não quero mai o’ cê. Já tô até aqui co’ oçê.
GUI: Poi vô memo. E se ocê tivé na estrada, fai favô de saí da frente quando nói passá com o mavericão.
AST: Tomara que esse raio de carro seja atropelado por uma bicicreta gigante e que depoi não sirva nem pra ferro-véio.
GUI: Acho bom a gente se largá de uma vei. Temo que fazê a separação.
AST: Tudo por curpa sua. Sabe o que tudo ocê fei de errado comigo?
GUI: Eu? Nada. A curpa é sua.
AST: Óia só: ocê qué mandá ni eu; ocê é uma preguiçosa e além disso fica arrastando a asa prá quarqué franguinho que tenha um um tomóve um poco mió di que a minha magrela.
GUI: E ocê qué sabê o que tudo fai errado comigo? Eu injuei docê porque, além de sê caipira grosso, bruto e sem graça, fica bebendo pinga, briga com todo mundo, incrusive comigo. Porque ocê é muito nervoso (perde a calma). Ocê não é carmo como eu. E sabe o que mai? Agora nem a magrela não tem mai, quanto mai um mavericão.
AST: (fala mais para si) Ainda bem que ela é carma, senão nessa hora eu não era mai galo; já tinha virado galeto.
GUI: E tem mai um coisa: Acho que gosto muito mai dele do que d’ ocê, seu caipirão. Por isso não vai dá prá nói continuá junto. Mai hoje de noite ocê ainda vai junto comigo, poi eu prometi visitá a familia dos Mandusquim. Inda vô aturá ocê prá i até lá.
AST: Tá bem. Sempre se atende um úrtimo desejo.
CENA 3
(Na casa dos Mandusquim. Ele e a mulher estão sentados, quando batem. Vão atender. São os Cantareira. Guilhermina entra na frente e sempre atrapalha o marido, interrompendo-o quando quer falar).
ALZIRA: Boa noite, dona Guilhermina. Tudo bem ?
GUI: Tudo às mir maravia.
ALZ: Boa noite seu Astrogildo. Como vai?
AST: Boa noite. Nóis viemos...
GUI: (interrompe) Ele vai bem sim. Está muito contente hoje. Boa noite seu Teodoro.
TEODORO: Boa noite dona Guilhermina; Boa noite seu Astrogildo. Tudo bem?
AST: Vai sim...
GUI (Interrompe): Ele só tomô umas pinga hoje, e atropelô um carro na estrada.
ALZ: Nossa mais que perigo !
GUI: Perigo sim. O Robertinho podia tê se desastrado.
TEO (a Ast): Chegou a se machucá com a batida ?
AST: Bom, no início pensei…
GUI: Não o Robertinho não chegô a se machucá, ainda bem.
ALZ: Vamos sentar e conversar com calma. (Sentam e falam de coisas banais, GUI sempre humilhando AST)
TEO: Seu Astrogildo, acho melhor nós dois irmos ali para dar uma olhada na casa nova que eu estou construíndo (Saem).
ALZIRA: Como vai o casamento de vocês ?
GUI: Tudo acabado com aquele canalha. Nói vamo separá.
ALZ: Mas por que ? Não está dando certo ?
GUI: Tudo por curpa dele. Eu sempre fui carinhosa com ele, sempre o tratei bem, com palavras delicada, nunca gritei com ele, nunca oiei prá outro home. Tudo curpa dele.
ALZ: Mas o que ele faz? Ele é tão ruim assim ?
GUI: Pior ! Muito pior. Ele tá sempre bebendo pinga e daí só qué briga. Hoje atacô o Robertinho na rua e queria batê nele. Depoi chegô em casa e me obrigô a limpá toda a casa na hora, inté as parede e o teto. Fei de conta como se eu fosse escrava dele, poi além disso tudo eu ainda fui obrigada a servi cafezinho prá ele.
ALZ: Mas será que não dá para ajeitar as coisas ? Quem sabe vocês procuram falar com calma e com jeito e perdoar um ao outro…
GUI: Não tem mais jeito. Amanhã vô procurá um devogado prá cuidá disso.
ALZ: Acho que primeiro vocês deveriam falar com o pastor, pois ele pode aconselhar vocês com a Bíblia.
GUI: Ah, o pastor não. Permero de tudo, porque ele implicô comigo que eu mando no Girdo, que eu não perdoo e essa coisarada toda. Segundo, porque ele não tem nada com isso. Ele tem direito de falá na igreja. Em casa é nói que manda.
ALZ: Não é assim, Guilhermina. Ele sabe o que está errado e vai ajudar.
Ast (vai entrando com Teodoro): Poi parece que vai ficá muito boa a casa nova dócei (sentam).
TEO: Alzira, por que vocês também não vão olhar a construção ? (as duas saem) Parece que o casamento de vocês não vai bem.
AST: É verdade. Amanhã nói vamo começá o divorço. A Guilhermina é danada de rui. Eu do contário sô uma pessoa muito boa. Não tomo pinga e sempre ajudo os outro. Hoje mesmo parei na estrada prá ajudá um cara que tinha amassado o paralama do seu carro branco. E sempre sô bom com a Guilhermina, nunca destrato ela, nunca meaço nada.
TEO: Parece que ela quer mandar em casa. E casa onde a mulher manda mais que o marido, não funciona. Deus fez as coisas assim, para os homem ser o chefe.
AST: Há, mai eu não dexo ela mandá. Mai isso não significa que sô ruim com ela. Hoje mesmo ela tava limpano a casa e eu, de livre e espontânea vontade, levei um cafezinho prá ela. Prá vê como sô bom com ela.
TEO: Acho que antes de começarem o divórcio deveriam ir procurar o pastor. Ele saberia dar uma boa orientação.
AST: Óia, eu não vô com a cara do pastor, poi ele implica comigo, dizendo que eu sô bêbado. Ele eu nã vô procurá. Amanhã vamo procurá um devogado. (Chegam as mulheres. Logo depois os cantareira despendem-se e saem. Fecha a cortina).
CENA IV
AST: (entra no escritório do advogado) Noite, seu dotô. Como vai a famia?
ADV: Vai bem. Mais é sobre isso que o senhor veio me falar?
AST: Bem, falá a verdade, não é sobre isso não. É sobre a minha muié.
ADV: Pois bem diga o que deseja.
AST: Eu não desejo nada. Só quero me divorciá da minha véia. Por causa disso é bom i falando logo o que precisa, prá gente se largá de uma vei. Por que ela tá gostando de um tar de maverique de oito cilindro branco, que fica arranhando as esquinas que nem choca no esterqueiro.
ADV: Primeiramente o senhor terá que abrir um processo contra ela, arrumar algumas testemunhas, providenciar alguns papéis e pagar uma pequena taxa. Aqui está uma lista de tudo ( entrega um pequeno papel dobrado).
AST: Só isso? (surpreende-se quando desdobra o papel e vê que tem muitas faces com uma lista enorme. Numa das faces há um pequeno papel emendado do lado direito) prá que é que tem esse pedacinho maior do papér?
ADV: É por que todos os zeros da pequena taxa não couberam no papel normal.
AST: Que negócio caro: Falá a verdade, seu dotô, eu ainda gosto dela, e vô pensá de novo sobro o caso; vô discuti com carma com ela e vô pedi uns conseio prá otra pessoa antes de vortá aqui.
CENA V
(Os dois em casa)
AST: Foi bom nói tê conversado com o pastor. Depoi do que ele disse, acho mió a gente acertá tudo e vivê junto otra vei.
GUI: Também acho. Se nói doi qué memo, nói podemo acertá, viveno junto. E sabe o que aconteceu com o carro daquele cara ? De noite ele tava fugindo da polícia e quis passá no meio de duas bicicreta que vinha contra. Tá lá ferro-véio o que sobrô.
AST: Óia, com o dinheiro que conomizemo com o divórco, podemo comprá um carro bom e até uma bicicreta nova. E vamo convidá os vizinho prá festejá isso.
GUI: Pode dexá que já limpo a casa prá recebê o pessoá. Vô fazê também quentão, pipoca e batata-doce.
AST: Enquanto ocê fai isso, eu vô servi um cafezinho prá nói e convidá o pessoá.


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